A Diretoria da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) veio a público revelar sua surpresa e indignação pelas informações inverídicas divulgadas irresponsavelmente por alguns veículos de imprensa a cerca de uma falsa extinção de todas portarias relacionadas a Saúde Mental e com o apoio da ABP, causando consequentemente dificuldades de assistência às pessoas com transtornos mentais. A ABP classificou como covarde, em plena pandemia, grupos ideológicos de esquerda divulgar informações falsas sobre temas sensiveis, e que as medidas jurídicas cabíveis serão tomadas para a responsabilização legal dos autores.
Confira a nota de esclarecimento da ABP na íntegra:
Nesta segunda-feira, 07 de dezembro, a Diretoria da ABP vem a público manifestar-se com total surpresa pelas informações veiculadas em reunião realizada pelo CONASS. Durante a última reunião do Conselho, foram feitas afirmações sobre mudanças na área de saúde mental que seriam realizadas pelo Ministério da Saúde, dizendo que todas as Portarias relacionadas à Saúde Mental seriam extintas e que a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) apoia o fechamento dos CAPS, das Residências Terapêuticas, causando dificuldades de assistência às pessoas com transtornos mentais, etc, relacionando a instituição a tais mudanças que seriam realizadas pelo Ministério da Saúde.
Apesar de divulgadas amplamente, as informações são inverídicas e, além disso, depreciam o nome da Associação. Ao contrário do que é repassado em mídias sociais e aplicativos de mensagens, a ABP possui em suas diretrizes, publicadas em parceria com outras instituições – ABIPD, SBNp, AMB, FENAM e CFM – uma proposta de modelo em assistência em saúde mental muito diferente de tais afirmações.
“É inadmissível que, em meio a uma pandemia, estejam preocupados em espalhar fake news sobre a saúde mental no Brasil. As diretrizes da ABP, publicadas em parceira com outras importantes instituições, versam sobre um modelo de atenção integral em saúde mental, contemplando as equipes multiprofissionais e todos os equipamentos que integram a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)”, destaca o presidente da Associação, Dr. Antônio Geraldo da Silva.
A ABP defende a nova Política Nacional de Saúde Mental, votada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) do SUS, com representação dos governos federal, estaduais e municipais, publicada em dezembro de 2017 por meio da Resolução CIT Nº 32/201 e da Portaria MS Nº 3.588/2017. Vale ressaltar que tais mudanças, que completam três anos agora, precisam ser amplamente implementadas para que a desassistência aos pacientes com transtornos mentais, fruto de ideologias irresponsáveis, seja finalizada em nosso país.
Reforma do Modelo de Assistência em Saúde Mental no Brasil
A reforma do modelo de assistência em saúde mental no Brasil é um processo de décadas e tornou-se lei em 2001 (Lei Nº 10.216/2001), priorizando o tratamento na comunidade e regularizando as internações voluntárias, involuntárias e compulsórias, respeitando os direitos humanos e a cidadania. A assistência à saúde é dinâmica, devendo sempre ser reavaliada e auditada, visando a identificação de problemas e realização de mudanças.
É necessário que tais modificações sejam sempre baseadas em dados e conhecimentos científicos. A assistência em saúde é uma política de Estado e não de governos, nunca devendo estar ligada a orientações ideológicas e adaptando-se às necessidades da população. A gestão pública precisa ser transparente para garantir que os recursos, preciosos, possam ser amplamente controlados. Muitas mudanças culturais e de novos conhecimentos foram adquiridos desde 2001. A tecnologia presente hoje era inimaginável e seu potencial não pode ser desconsiderado.
A reforma teve muitos problemas, somente detectados quando, há quatro anos, permitiram que fossem realizadas auditorias no sistema assistencial do SUS. Em diagnóstico realizado pelo Ministério da Saúde na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), em 2017, foi detectado mau uso de verba pública, como as liberadas para a criação de serviços que nunca existiram – mil e quinhentos serviços e mil Leitos em Hospitais Gerais. Não havia prestação de contas ao Governo Federal sobre atendimentos realizados, sendo pagas diárias em Hospitais Gerais como se estivessem com a ocupação máxima, quando era de menos de 15%, levando a prejuízos de mais de R$90 milhões/ano ao erário público.
Entre outros problemas detectados e graves, foram feitas denúncias de violação de direitos em Residências Terapêuticas, fraudes em fiscalizações de Hospitais Psiquiátricos, manutenção de pagamento de auxílios do Programa de Volta para Casa (PVC) a pessoas já falecidas, um quinto dos CAPS no Brasil não tinham equipe mínima. As questões expostas acima não têm relação com o modelo assistencial, mas sim com a gestão. Os serviços de saúde pública precisam ter uma gestão apropriada, que saiba o que está sendo feito, sua efetividade, seu custo, seu benefício às pessoas.
O modelo assistencial proposto priorizou corretamente o tratamento na comunidade, mas, por questões ideológicas, excluíram os Ambulatórios Especializados da RAPS, que deixaram de ser financiados pelo Governo Federal e, consequentemente, foram fechados. O resultado levou à desassistência de base comunitária em Saúde Mental no país, já que os Ambulatórios são extremamente resolutivos e capazes de realizar grande volume de atendimentos.
Assim, o tratamento dos pacientes ficou a cargo da Atenção Básica, pela Estratégia de Saúde da Família (ESF). Contudo, com todas as demais demandas assistenciais, o atendimento era feito por médicos que muitas vezes não tinham sequer especialização em Saúde da Família, não sendo capazes de lidar com casos mais complexos, que deveriam ser tratados no Ambulatório Especializado. É assim em qualquer especialidade da Medicina: casos complexos são tratados e compensados no Ambulatório Especializado e somente então encaminhados para a Atenção Básica.
A importância dos Ambulatórios Especializados
É fundamental ressaltar que os Ambulatórios Especializados realizam tratamentos em equipe multidisciplinar com profissionais especializados, que tenham formação em Saúde Mental: enfermagem, psiquiatria, terapia ocupacional, psicologia e serviço social, todos juntos trabalhando em prol dos pacientes e suas famílias. Os Ambulatórios para Infância e Adolescência contam ainda com a presença de psicopedagogia e fonoaudiologia.
Estes equipamentos já existem na rede privada e precisam também estar disponíveis no SUS, já que foram criados para fornecer o que há de melhor para toda a população. Não permitir o acesso ao que existe de mais atual e avançado em Saúde Mental é estigmatizar minorias, onde é maior a prevalência de doenças mentais. Ambulatórios Especializados têm uma dinâmica diferente dos CAPS, que atendem bem menos pacientes, já que se ocupam de casos mais graves, com muitos problemas psicossociais, necessitando de trabalho mais intenso de reabilitação e reinserção social.
A falta destes Ambulatórios e a grande redução de serviços de internação psiquiátrica lotam unidades de emergência e contribuem para um aumento de pessoas com transtornos mentais na população carcerária e entre os moradores de rua. Além disso, essa desassistência vinha contribuindo também para o aumento do número de suicídios no Brasil nos últimos quinze anos. O número crescente de pacientes com transtornos mentais afastados do trabalho por auxílio-doença também era fruto da desassistência ocorrida nas últimas décadas. Esses são os motivos que levaram nosso país a indicadores tão ruins na Saúde Mental da população.
Adaptação do modelo de assistência em Saúde Mental à realidade
A reforma do modelo de assistência em Saúde Mental deve continuar sim, mas ela deve ser adaptada à realidade. Os dados brasileiros da Saúde Mental nos últimos muitos anos só confirmam esta necessidade. As taxas de suicídio têm crescido no país nos últimos quinze anos, ao contrário a tendência mundial de diminuição destes números. O aumento da mortalidade dos padecentes de doença mental, em parte, pode ocorrer pela separação da RAPS do restante do sistema de saúde, não havendo uma visão integral da saúde da população.
“O Brasil é o país com maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo, somos um dos países com maior prevalência de depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Com a enorme repercussão da pandemia em nosso país – já está evidente entre os profissionais de saúde mental – estes números vão piorar e não temos estrutura para atender esta demanda. Precisamos muito avançar nas mudanças!”, afirma o Dr. Antônio Geraldo.
A Atenção Básica deve ter profissionais de Saúde Mental em suas equipes, não sendo também possível lidar com esta epidemia de transtornos mentais sem Ambulatórios Especializados. Além disso, precisamos da tecnologia, como big data, para um país com nossas dimensões, bem como de controle dos recursos empregados no cuidado de nossos pacientes.
Não é mais possível gestão perdulária com o dinheiro do contribuinte. Ademais, intervenções terapêuticas precisam ter critérios científicos. Os serviços devem ser resolutivos, apresentando respostas que devem ser sempre avaliadas se são satisfatórias. Devemos, sobretudo, combater fake news, pessoas com interesses próprios e não dos padecentes de transtornos mentais.
O presidente da ABP finaliza ressaltando que a instituição “apoia a ampliação de serviços e ambulatórios qualificados, que tenham eficácia, eficiência e efetividade. Todos os serviços são importantes em uma rede e eles devem ser qualificados”.
Nota do Ministério da Saúde sobre o tema saúde mental:
Grupo de trabalho com representantes do Ministério da Cidadania, do CFM, da ABP, do Conass e do Conasems vai analisar e discutir as políticas de assistência psicossocial
O Ministério da Saúde esclarece que, atualmente, existem mais de 100 portarias relativas à saúde mental que estabelecem diretrizes para o tratamento e a assistência dos pacientes – e de seus familiares – com necessidades relacionadas a transtornos mentais e com quadros de uso nocivo e dependência de substâncias psicoativas. Após minuciosa análise de técnicos e especialistas da área, observou-se que muitas dessas portarias estão obsoletas, o que confunde gestores e dificulta o trabalho de monitoramento e a efetiva consolidação das políticas de saúde mental.
Com o intuito de tornar a assistência à saúde mental mais acessível e resolutiva, deve-se levar em consideração a análise de indicadores negativos nessa área, como o crescimento das taxas de suicídio nos últimos 15 anos no Brasil, com agravamento de lesões autoprovocadas; o aumento de indivíduos em situação de rua com transtornos mentais graves; o isolamento social de pacientes com transtornos mentais graves; o aumento da mortalidade desses pacientes; a superlotação nos serviços de emergência; o aumento do uso de drogas e dependência química no país; o crescimento e a expansão das cracolândias em grande parte das cidades brasileiras; e o aumento de trabalhadores afastados, pela Previdência Social, principalmente por depressão e dependência química.
Nesse contexto, o Ministério da Saúde instituiu um grupo de trabalho com representantes do Ministério da Cidadania, do Conselho Federal de Medicina (CFM), da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), encarregado de analisar, discutir, aprimorar, revogar e criar novos instrumentos para a garantia do cumprimento da nova Política Nacional de Saúde Mental, aprovada pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) em dezembro de 2017, por meio da Resolução CIT nº 32/201 e da Portaria MS nº 3.588/2017.
Cabe informar, ainda, que, na nova atualização proposta, não há sugestão de fechamento dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e dos Consultórios de Rua. Sobre as Residências Terapêuticas, por não se tratarem de equipamentos médicos e serem destinadas, exclusivamente, ao acolhimento e reabilitação social, discute-se a sua transferência para o âmbito do Ministério da Cidadania.
Vale destacar também que o Ministério da Saúde, por meio de gestão tripartite, promoveu uma série de ações no âmbito da saúde mental durante a pandemia da Covid-19, como: videoaulas para profissionais da saúde e sociedade, com conteúdo disposto no link: https://coronavirus.saude.gov.br/capacitacao; ações de educação em saúde em defesa da vida, com a promoção de cursos de prevenção do suicídio e da automutilação na modalidade de educação a distância, disponíveis na plataforma prevencaoevida.com.br; instituição do Comitê Gestor da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio; ampliação de serviços de saúde mental no SUS (Portarias 2.451 e 2.452, de 16 de setembro de 2020); repasse de R$ 650 milhões aos municípios para aquisição de medicamentos essenciais (Portaria 2.516, de 21 de setembro de 2020); entre outras.
Estão também em fase de elaboração as seguintes ações: criação de serviço telefônico para suporte em saúde mental – linha 196; elaboração de programa de treinamento para profissionais do atendimento 196; elaboração de programa de treinamento para profissionais da Atenção Primária à Saúde em consulta psiquiátrica; e treinamento de profissionais médicos e enfermeiros do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em atendimento de urgência a doentes psiquiátricos.
Por fim, o Ministério da Saúde entende que a construção de uma rede de assistência à saúde mental essencialmente segura, eficaz, integral, humanizada, com abordagens e condutas baseadas em evidências científicas, e norteada por especialistas da área da saúde é um processo organizacional contínuo, que requer monitoramento constante e zelo com o investimento público.